quarta-feira, 6 de julho de 2016

a menina que enganou o professor de matemática (mas não o de física)

boatos dizem que eu ficava na sacada do meu apartamento vendo as crianças uniformizadas entrarem nas peruas escolares e chorava pra minha mãe, pedindo pra ir pra escola também. ela, que é uma pessoa sábia e incrível, demorou o máximo de tempo possível pra me matricular em uma. devo ter entrado na escola com uns quatro anos, talvez. não tenho muitas memórias dessa fase, só lembro de alguns acontecimentos específicos na escolinha, mas sei que sempre gostei. e continuo gostando até hoje, mesmo que a faculdade seja um lugar horrível.

sempre gostei da escola porque sempre fui bem na escola, isso é óbvio. tenho certeza que, caso eu tirasse notas baixas ou tivesse dificuldade de aprendizado, ter que ir pra lá encarar esses problemas todos os dias seria meu maior pesadelo. mas o fato é que eu tenho facilidade, gosto de estudar, gosto de aprender e gostava sim de estar na escola. 

no final do ensino fundamental, lá pro 9º ano, eu tava muito mais preocupada em dar risada com os meus amigos do que com o meu boletim no fim do bimestre. mas ainda assim eu nunca estava abaixo da média, garantia minhas notas azuis sem muito esforço. daí cheguei no primeiro ano do colegial e levei um belo banho de água fria: tirei uma nota vermelha na primeira prova de física e ainda levei bronca do professor por causa disso. me senti péssima. foi nesse momento que eu percebi que não ia conseguir empurrar com a barriga, levando tudo na brincadeira igual eu tinha feito até ali. no colegial, os professores eram outros, eles não me conheciam desde os onze anos. o material era diferente, tinha uma infinidade de lições de casa todos os dias. eu não tava acostumada a nada disso. depois da bronca do professor de física na frente da sala inteira, me recusei a deixar aquilo acontecer de novo. de um jeito ou de outro, eu ia continuar garantindo minhas notas azuis.

então eu comecei a estudar. não muito, só o suficiente pra ir bem nas provas. é claro que nem tudo é perfeito, então por mais que eu tirasse de letra algumas matérias, outras não faziam o menor sentido na minha cabeça. mas o impressionante é que, mesmo quando eu não entendia nada, eu conseguia me virar a ponto de enganar os professores, os colegas de classe e quem quer que seja. quer dizer, mais ou menos...

redação, gramática, literatura, inglês, espanhol, química e história eram minhas matérias queridinhas, que eu tirava 10 (ou quase) por mérito meu. estudava, aprendia o conteúdo e garantia minhas notas altas sempre. daí tinha matemática, que eu não entendia na-da, mas também conseguia tirar 10 (ou quase) com uma tática maravilhosa: decorando os exercícios. resolvia as contas sem ter a menor ideia do que eu tava fazendo, mas chegava nos resultados esperados. era bizarro! em geografia e biologia eu ia mais ou menos, tirava uns 7-8, porque não conseguia mais que isso. e aí tinha física, né... era de longe a minha pior matéria. não entendia porcaria nenhuma, não tinha motivação pra estudar, detestava o professor. só tirei um único 10 nessa matéria, numa prova de calorimetria (jamais esquecerei!), ganhei até parabéns quando fui receber a prova hahahaha

o fato é que, por eu sempre tirar nota máxima nas atividades de matemática, o professor passou a achar que eu era a rainha das exatas. ninguém gostava muito do cara, ele era bem duvidoso mesmo, mas a gente conversava. ele me respeitava quanto aluna (diferente do professor de física, por isso eu não suportava o homem) e me dava notas altas sempre, então eu não tinha do que reclamar. um dia, no terceiro colegial, eu almocei na escola. o professor de matemática sentou na mesma mesa que eu e começamos a conversar sobre o que eu pretendia pro meu futuro. vocês não imaginam a reação desesperada desse ser humano quando eu disse que ia prestar vestibular pra letras...

ele quase caiu da cadeira, sério! hahaha o professor ficou uns quinze minutos tentando me convencer a mudar de ideia (!), enquanto eu comia e dava risada da cara dele. os argumentos eram 1) letras não dá dinheiro 2) você é uma das melhores alunas de exatas da escola, não pode desperdiçar esse potencial num curso que não tem conta 3) é óbvio que você se daria muito melhor cursando engenharia HAHAHAH durante todo esse tempo eu falava que 1) me preocupava em estudar e trabalhar com algo que me fizesse feliz, não que enchesse meu bolso 2) não entendia porcaria nenhuma de exatas, só gostava de química 3) obrigada pela opinião que eu não solicitei, mas já me decidi ^^ desse dia em diante eu ouvi dele mais umas 40x que minha escolha era um erro, por mais que eu tentasse explicar que eu tirava nota porque o sistema é um lixo e só se preocupa com o número no boletim, não com o conteúdo que o aluno realmente aprendeu.

certa vez, o professor de matemática comentou com o professor de física que eu queria cursar letras e esperou dele a mesma reação chocada. é claro que ela não veio. o de matemática ficava "mas você não acha que ela devia ir pra engenharia? a menina é muito boa!" e o outro, meio sem graça, falava só "exatas é uma área linda mesmo, humanas é aquela coisa né...", mas sem me incentivar nenhuma vez a mudar meus planos. esse aí nunca comprou a ideia de que eu era ótima fazendo contas, porque de fato não era mesmo. não sei até hoje como o bendito do professor de matemática se deixou enganar dessa forma, tadinho.

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