sexta-feira, 28 de novembro de 2014

o menino que não sabia contar histórias

era uma vez um menino que não sabia contar histórias. por mais que ele tentasse, leandro se embolava todo. ainda que as lembranças viessem pra ele com facilidade, as ideias se aglomeravam em sua mente e ficava quase impossível de por em palavras aquilo que ele estava pensando. o maior problema é que, quando a dificuldade chegava, ele se recusava a tentar.

- gente, deixa eu contar uma história... foi assim, um dia eu tava lá naquele lugar e, de repente, chegou uma moça. aí aconteceu uma coisa e... ah não, deixa pra lá.
- fala, leandro, a gente tá escutando.
- não quero mais. não rolou, não vou contar.

no começo, os amigos insistiam. pediam pra que ele não desistisse, tentavam até chantageá-lo para, quem sabe assim, escutarem a história. depois de um tempo, todos foram aprendendo a lidar com a falta de traquejo do menino em relação às narrativas. leandro empacava e não havia nada a fazer a respeito. a solução encontrada pelo grupo para  resolver esse probleminha foi bem simples. já que o garoto não queria contar, eles inventariam. o menino dava a deixa, introduzia o assunto e, ao se calar, era obrigado a dar risada das mais absurdas continuações que surgiam. seus amigos eram bem criativos, isso ele não podia negar. além disso, as histórias costumavam ficar muito mais interessantes - e improváveis - nessas versões inventadas. será que o real motivo de leandro não era esse: ouvir da boca dos outros um final diferente pras suas próprias histórias?

domingo, 23 de novembro de 2014

e foi aí que tudo mudou

de repente, ele fez um comentário sobre uma das fotos dela. em tom de brincadeira, mas com uma pitadinha de algo a mais. e não comentou na foto, pra todo mundo ver. disse só pra ela, no meio de uma conversa, sem que ninguém mais tivesse acesso. isso foi diferente de tudo o que ele já havia dito e ela percebeu que seu coração se acelerou e que suas bochechas ficaram bem vermelhas. sinal #1 de que algo grande estava por vir. não que ela tenha percebido isso na época...
tempos depois, uma mensagem inesperada, que ele talvez nem lembre mais que enviou (assim como ele provavelmente também não se lembra do comentário sobre a foto), fez com que ela ficasse muito empolgada. e ansiosa também, já que pela primeira vez ela via chances reais de realizar seu então atual desejo. 
desejo esse que surgiu durante o show da banda preferida que eles têm em comum. pra ela, saber que eles dividem tantas preferências é sinal de sorte e felicidade. talvez ele não compartilhe desse pensamento, talvez ele nem ache isso tão relevante. mas o que importa mesmo é que a sorte e a felicidade realmente estão ali presentes. 
depois da mensagem, veio uma festa. ela foi parar ali meio que sem querer, meio tímida por estar no meio de tanta gente que ela sequer conhecia. saber que ele estaria lá foi o que a motivou a criar coragem pra enfrentar a timidez. aliás, se não fosse ele, ela jamais teria ido na tal festa. o convite não teria nem sido feito. no meio dessa festa, assim que a primeira oportunidade surgiu, ela foi tomada por uma coragem nunca antes vista e fez aquilo que sentiu vontade: deu um beijo nele. assim, sem mais nem menos. sem saber se ele queria, sem saber se ele ia retribuir. 

pode ser que ele ache que tudo mudou na hora do primeiro beijo. ou do segundo, que foi em outro momento da festa. ou do terceiro, do quarto... que ocorreram em outros dias. mas, pra ela, as coisas começaram a mudar de verdade muito antes disso. lá, no dia do comentário a respeito da foto dela, foi quando a primeira fagulha se acendeu. foi pequenininha, mas ainda assim muito promissora. ainda bem.

quarta-feira, 19 de novembro de 2014

ainda com os mesmos olhos

bianca ainda olha pra rafael com os mesmos olhos apaixonados de sempre, apesar de dizer - da boca pra fora - que não o ama mais. finge que não liga mais pra ele, se faz de desentendida quando alguém comenta a respeito dos dois e vive reafirmando que o que eles tinham já passou e não volta mais. 
essa pose de menina forte que seguiu com a vida tá sempre lá, de pé, se sustentando. mas bianca não consegue esconder sua frustração ao ver o quanto rafael e ana se dão bem. a cada risada que ele dá por causa dela, a cada música que ele mostra pra ela, a cada vez que ele a espera na porta da classe... os olhos de bianca, sempre apaixonados, adotam também um ar mais triste. triste e ciumento. antes tudo isso era com ela. rafael era dela. agora não é mais. ana chegou, se infiltrou onde não foi chamada e conseguiu roubar pra si, aos pouquinhos, aquilo que bianca tanto amava: a atenção e o afeto de rafael.

os dois ainda são amigos. os dois ainda riem juntos, trocam dicas de livros e às vezes até sentam juntos na aula. mas não é mais a mesma coisa. a naturalidade que antes existia, hoje já não se faz mais presente. os silêncios constrangedores aparecem com uma frequência maior do que a desejada e o desconforto entre eles fica nítido. o que bianca não sabe é que, mesmo que rafael realmente tenha seguido em frente, diferentemente dela própria, ninguém jamais vai ser capaz de ocupar o espaço dela na vida dele. nem mesmo ana. o posto de "menina mais importante do mundo" sempre vai ser dela. rafael só esqueceu de avisar.  

sexta-feira, 14 de novembro de 2014

bola de pelo

"ela não discute e vai embora, como se engolisse o que passou"

mas, na verdade, ela não engoliu nada. tá tudo ali, muito bem preso na garganta. tá tudo seco, também. impossível de descer goela abaixo. quando a coisa acumula demais, acontece com ela tipo o que ocorre com um gato e as bolas de pelo: ela tem que por tudo pra fora. vai subindo aos poucos, incomodando o corpo - e a mente - até que, quando ela percebe, a coisa fugiu do controle. convenhamos, chega um momento em que fica impossível de controlar. e olha que ela se esforça bastante.

ela gostaria que esse esforço silencioso fosse reconhecido pelos outros. ela gostaria que as pessoas entendessem que, quando ela explode, é porque chegou ao nível máximo e tudo transbordou. ela gostaria de tanta coisa que é tão difícil de acontecer... mas tá tudo bem. ela reconhece, ela entende, ela sabe o que se passa ali dentro dela mesma. e, no fundo, isso é o que vale.