quarta-feira, 28 de setembro de 2016

ela não queria ter dito sim

giovanna aceitou o convite por impulso, sem pensar muito a respeito. ou talvez tenha sido por vergonha de recusar, já que ela sempre aprendeu que não podia magoar os sentimentos dos rapazes - muito menos daqueles que se interessaram por ela. seria quase um sacrilégio dispensar um moço bonito, rico e que queria levá-la pra jantar num restaurante caro e badalado. mesmo que ela não tivesse o menor interesse de passar esse tempo com ele, o correto era dizer sim. e foi isso o que ela fez. o problema é que, por mais que uma voz chata e insistente não parasse de ressoar na sua cabeça afirmando que esse encontro era uma grande oportunidade, seu coração gritava o contrário. a cabeça dizia uma coisa, enquanto o coração entrava em colapso só de pensar em perder essa batalha. desesperado, ele batia a toda velocidade, pra ver se surtia algum efeito. e a cabeça de giovanna continuava com aquela mesma ideia torta. batendo descompassado e dificultando a respiração da menina, seu coração implorava por ser ouvido.

o convite de rafael era para dali a cinco dias. depois de dizer sim, para tentar acalmar seu coração, giovanna pensou que teria tempo suficiente pra amadurecer essa ideia e, por fim, se convencer de que era uma boa sair com esse cara. mesmo sem a menor vontade, mesmo sendo só porque todos julgavam correto ("você não pode dispensar um moço bonito, rico e que quer te levar pra jantar num restaurante caro e badalado", eles diziam).

durante os cinco dias, a menina viveu esse conflito. era uma luta árdua, já que nem cabeça e nem coração pareciam abrir mão de vencer. ambos se esforçavam ao máximo pra falar mais alto, deixando giovanna com seus nervos à flor da pele. e o rafael? você deve estar se perguntando. bom, ele continuou sua vida normalmente. sequer pensou no assunto por muito tempo, só avisou os amigos que não poderia sair com eles no sábado porque tinha marcado de jantar com "a gostosa da giovanna, aquela loira, amiga da carol". o rafael estava assim tão tranquilo porque isso, pra ele, não era nada demais. ele sempre saía com meninas bonitas, ficava com elas por um tempinho e, quando elas finalmente se envolviam, ele pulava fora. nada demais. 

tinha sido combinado que o rapaz buscaria giovanna na casa dela às 19h. no meio da tarde de sexta feira a menina estava à beira de uma sincope nervosa. por mais que a voz na sua cabeça fosse persistente e poderosa, seu coração pediu ajuda: agora seu estômago revirava e sua pele suava frio só de pensar em jantar com rafael. a comida não seria um problema, o lugar menos ainda. problema mesmo seria ficar frente a frente com aquele cara desinteressante, egocêntrico e babaca. tendo que rir das piadas dele, tendo que sorrir quando ele fizesse algum elogio a respeito da aparência dela, tendo que aguentar o encontro pelo tempo que ele quisesse, já que ela estaria de carona - e, portanto, presa ao cara até o fim da noite.

num momento de iluminação desesperada, ela mandou uma mensagem mudando ligeiramente os planos. rafael ficou um tanto desconcertado quando leu aquelas poucas palavras que chegaram do nada, sem nenhum aviso prévio, mas não foi capaz de interpretar os discretos sinais que a vida tentava lhe dar. depois de horas sem responder o que ele havia perguntado a respeito da roupa que ela usaria no encontro, giovanna simplesmente ignorou a insinuação maliciosa do rapaz e enviou a seguinte mensagem: "não precisa me buscar em casa amanhã, a gente se encontra por lá. às 19h mesmo, tá? beijos!". ela não sabia disso, mas seus dedos agora também faziam parte do time de apoio ao seu coração. quando eles perceberam o tamanho do buraco em que ela havia se enfiado, se uniram pra tentar derrotar a cabeça da menina e aquele pensamento que não era dela, mas sim das pessoas que estavam ao seu redor. 

giovanna não entendia os motivos daquele seu estado emocional. durante toda a sua vida ela ouviu que aquele era o cenário perfeito: um moço bonito, rico e que queria levá-la pra jantar num restaurante caro e badalado! mas ninguém nunca tinha falado pra ela que isso vinha acompanhado do resto. daquele jeito sem graça, daquelas piadas preconceituosas, daquela mania insuportável de arrumar o cabelo a cada dois minutos. giovanna conversava com rafael pelo celular porque, pra ela, não era nada demais. a qualquer minuto ela poderia simplesmente parar de responder, silenciar as mensagens do cara e continuar seu dia em paz. mas ela não teria essa mesma chance pessoalmente, teria?

sábado, 19h00, restaurante caro e badalado. rafael foi pontual, ele quis chegar cedo pra escolher a melhor mesa e já começar a decidir o que os dois comeriam - afinal de contas, quem melhor do que ele pra escolher qual a melhor opção daquele cardápio tão chique, cheio de comidas que quase ninguém sabia a maneira correta de pronunciar o nome? 

às 19h30, começando a se cansar daquela espera, rafael mandou uma mensagem pra giovanna, perguntando se ela ainda demoraria muito pra chegar. "o antepasto de atum selado com gergelim que eu escolhi pra gente vai esquentar se você não chegar logo", ele disse. sentada no sofá da sua casa, usando o seu pijama mais confortável, giovanna leu a mensagem e gargalhou. ela riu até chorar, colocando pra fora de seu peito toda a angústia vivida naqueles cinco dias. com a maior tranquilidade possível, ela respondeu que houve um imprevisto e que não não seria possível encontrar com ele no restaurante. depois de enviar, ela bloqueou o número do cara, voltou a prestar atenção no seu filme preferido e comeu toda a pipoca que encontrou pela frente.

sorte da giovanna que, depois de muito esforço, o coração venceu. e o rafael? você deve estar se perguntando. bom, pra não perder a viagem, ele escolheu o vinho mais caro da casa, comeu um daqueles pratos com nome que ninguém sabe pronunciar e mandou mensagem pra larissa, perguntando se podia passar na casa dela dali a duas horas. ela disse que sim.