sexta-feira, 5 de junho de 2015

3. aquela que eu mal conheci, mas sempre amei

minha avó materna faleceu assim que eu completei um ano de idade. sendo assim, fica claro que eu não tenho nenhuma lembrança, já que mal tive tempo de aproveitar ao lado dela. tudo o que eu tenho são as histórias que as pessoas contam e algumas poucas fotos. o que eu acho incrível é que, mesmo que eu realmente nem conheça a minha vó, ela sempre foi uma das pessoas que eu mais amo nessa vida. é uma coisa de louco o quanto essa mulher enche o meu coração de amor só de pensar nela. mas, em contrapartida, meu peito aperta de um jeito que chega a doer! 

que injusto você ter ido embora assim tão cedo, vó! injusto com você, injusto comigo. egoísta pensar em mim nessas horas, né? eu sei. mas por muito tempo eu desejei ter nascido a filha mais velha, pra poder ter você - e o meu avô - ao meu lado por mais tempo. nunca disse pra ninguém, mas eu morria de inveja do meu irmão. por que ele teve a chance de crescer do seu lado, mesmo que só na infância, e eu não? hoje em dia eu não penso mais dessa forma, já passei da fase de despejar minhas frustrações em cima de quem não tem nada a ver com elas. mas eu continuo sentida por não saber como era a sua voz, não saber se você dava ou não aqueles abraços super apertados, não saber se você sentaria comigo no sofá de tarde pra assistir alguma bobagem na televisão ou se preferiria ficar na cozinha preparando doces pra gente comer depois. 

das coisas que me contam sobre você, as comidas que você fazia são o que mais me chamam a atenção. talvez seja porque as pessoas falem disso com brilho nos olhos e água na boca até hoje, talvez seja por eu ser fominha e sempre me empolgar quando o assunto é comida. deve ser pela mistura das duas coisas. imagina que delícia nós duas cozinhando juntas? você me ensinando suas receitas que continuam famosas, nós duas sujando a cozinha inteira, você provavelmente me dando bronca pela minha lerdeza e eu ficando irritada por conta disso... ou não, né? não sei como seria a nossa relação de verdade, tudo o que eu posso fazer é imaginar. e já que isso é o que me resta, na minha mente a gente se dá super bem! às vezes sai umas confusões (minha mãe vive dizendo que você falava alto e era meio grossa. eu, manteiga derretida desse jeito, ia viver de bico por causa disso), mas a gente se diverte muito juntas! eu, você e mamãe. as três gerações juntinhas, todas parecidas umas com as outras, morrendo de dar risada em volta da mesa do café da tarde. 

eu te amo muito, vó! de verdade mesmo. é uma pena que você não tenha passado mais tempo aqui na terra. te agradeço pelo seu livro de receitas e por alguns traços do meu rosto, que supostamente são super parecidos com os seus. mais uma vez, amo você. pra sempre, em qualquer lugar a gente esteja.

quarta-feira, 3 de junho de 2015

amizades de transporte público

eu encontro todos os dias com as mesmas pessoas no ônibus. ninguém se fala, ninguém nem se cumprimenta, mas todo mundo se conhece - nem que seja só de vista, só de ônibus. as pessoas agem sempre da mesma forma, costumam sentar nos mesmos lugares, e por aí vai.

duas figuras especificamente andaram aguçando a minha curiosidade nesses últimos tempos: um casal de amigos. apesar de estarem sempre juntos, eles são totalmente diferentes. pelo menos aos meus olhos, como mera observadora à distância.

seguindo a premissa da rotina já citada lá em cima, todo dia ela faz tudo sempre igual. ele também. é impressionante como ela fala o tempo todo, sem pausas nem pra respirar. e ele fica quieto, de vez em nunca responde de forma monossilábica só pra dar prosseguimento ao assunto. ela sempre gesticula muito e nunca para de rir. ele, em contrapartida, às vezes acena com a cabeça e esboça, no máximo, um sorrisinho.

eu nunca sentei perto o suficiente pra escutar sobre o que eles conversam, sempre existem diversos bancos entre nós. mas ao longe, pela impressão que eles me passam por meio de seus semblantes, consigo perceber que ele não esconde seu descontentamento em relação àquela falação toda. e ela, coitada, nem percebe. será que é ingênua? talvez não. talvez ela esteja tão imersa em suas próprias palavras que nem se dá conta de que o outro nem ouvindo está.

às vezes ela só precisa de alguém ali do lado, balançando a cabeça de tempos em tempos, só pra não sair por aí falando sozinha. só pra não ser chamada de doida. e ele? às vezes só precisa de alguém ali do lado, quase que num monólogo, só pra não se sentir solitário. só pra ter uma companhia. (vai ver que ele é só muito educado pra dizer "ei, já chega, por favor".) 

dois companheiros do dia a dia. dois opostos. tão distintos, tão distantes.