terça-feira, 11 de dezembro de 2018

21. literatura constrói pontes

eu faço parte do grupo de pessoas que lê livro em vez de ouvir música no transporte público. aliás, nem saio de casa com fone de ouvido, pra vocês terem uma noção. tô sempre com um livro na mochila e já me acostumei a ler em pé e com barulho em volta, se for o caso. claro que não sou doida e prefiro ler sentadinha num ônibus silencioso, mas se a história tiver boa o suficiente pra prender a minha atenção, eu consigo me concentrar no livro e esquecer o que tá acontecendo em volta.

eis que esses dias eu tava no metrô, lendo meu livrinho encostada perto da porta. percebi que tinha uma moça abordando as pessoas perto de mim. não consegui ouvir o que ela tava dizendo, mas sabia que eu seria uma das próximas. ela me chamou, eu olhei pra cima e, antes de mais nada, ela me pediu desculpa por ter atrapalhado a minha leitura. eu falei que não tinha problema e sorri. ela sorriu de volta e me pediu dinheiro. disse que precisava de 15 reais e já tinha conseguido quase 3. eu falei que provavelmente não tinha dinheiro trocado, mas ia conferir. procurei na minha mochila e pedi desculpa porque não achei nada pra contribuir (eu só ando com cartão).

daí ocorreu o seguinte diálogo:

– o que você tá lendo?
– é um livro de crítica literária (era ao vencedor as batatas, do roberto schwarz) – eu mostrei a capa pra ela.
– ah, esse eu não conheço, mas eu adoro ler!
– sério? do que você gosta?
– você já leu cem anos de solidão e o morro dos ventos uivantes
– sim, eu li os dois!
– esses são os meus preferidos.

já fiquei impactada com essa info né, esses são dois livros bem clássicos e as leituras não são "fáceis". quando percebi, já tava pensando no que poderia ter levado essa moça a precisar pedir dinheiro no metrô...

ela ainda me recomendou mais um livro, que eu infelizmente não consigo lembrar de jeito nenhum qual era, mas que eu ainda não tinha lido. o que é uma pena, porque caso eu lembrasse ele com certeza entraria pra minha lista de livros a serem lidos em 2019.

a moça se despediu, disse que precisava descer na próxima estação e me agradeceu. ela desceu do vagão sorrindo, mesmo que eu não tenha ajudado com nem 01 centavo. percebi que as pessoas à nossa volta ficaram olhando enquanto a gente conversava, acho que ficaram curiosas com o teor do diálogo. não é todo dia que a gente encontra uma pessoa pedinte recomendando um escritor ganhador do nobel de literatura!

mas também não é todo dia que a gente efetivamente dá atenção pra pessoas em situação de vulnerabilidade social, né? quando a gente se dispõe a ouvir e a tratar os outros com o respeito que eles merecem, nós só temos a ganhar. imagina quanta gente ali naquele mesmo vagão poderia ter se beneficiado dessas dicas caso tivessem dado essa chance pra moça...

Um comentário:

  1. Sua experiência nos diz muito sobre marcadores sociais. É "estranho" para a sociedade que uma pessoa em situação de vulnerabilidade demonstre habilidades e conhecimentos que são destinados a uma camada muito específica. E assim vamos estigmatizando e segregando pessoas. Colocando-as numa posição em que supostamente têm pouco a compartilhar.

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