terça-feira, 15 de maio de 2018

sentir-pensar

numa aula sobre literatura americana, falando sobre preconceito e racismo, a professora disse que a forma do romance que nós estávamos estudando (go tell it on the mountain - james baldwin) causava um distanciamento crítico entre o leitor e a obra, pra fazer o leitor pensar e não apenas sentir. então uma aluna disse que por mais que o beloved da toni morisson também se utilizasse de um recurso formal pra causar essa distância crítica, ao ler o livro ela quase não pensou - só sentiu.

aí outra aluna disse que com ela foi a mesma coisa. ela leu, sentiu e chorou. e depois, quando parou pra pensar, chorou mais ainda. a professora disse que a ideia de "sentir-pensar" era uma boa representação do que a gente sente quando se trata de discutir opressão. se você tiver um pingo de empatia, mesmo que o preconceito não te atinja diretamente, você sente. e depois você para pra racionalizar uma coisa tão absurda e o sentimento que brota é pior ainda. por exemplo, eu que sou branca e nunca sofri preconceito algum por causa da minha cor chorei fácil lendo livros que tratam do racismo, porque é surreal que alguém se sinta melhor que outra pessoa por ter menos melanina no corpo.

daí uns dias se passaram e eu tive um belo breakdown depois de conversar sobre preconceito e homofobia. chorei e entrei em crise pensando em como é que pode alguém ter a pachorra de dizer que não aceita que duas pessoas do mesmo sexo se beijem (a conversa não era nem sobre gênero, pra não complicar as coisas). e olha que eu beijo pessoas do sexo/gênero oposto, então não sofro as consequências da homofobia, mas ainda assim esse preconceito me ofendeu.

pode ser que você não se sinta mal com o preconceito e a opressão porque você se vale de zilhões de privilégios e nunca sentiu nada disso na pele. mas caso você ainda não consiga se sentir mal mesmo depois de pensar sobre isso, aí a gente tem um problema muito mais sério. e é um problema assustador.

me assusta pensar que pessoas ao meu redor não são capazes de descer do seu pedestalzinho, de se colocar no lugar do outro, de refletir a respeito do que tá acontecendo. e eu sofro quando tô em uma discussão e percebo que a outra parte não quer dialogar, não quer ouvir, só quer continuar afirmando a própria opinião, além de dizer de boca cheia que "minha opinião é essa, eu nunca vou mudar". como é que pode uma coisa dessa?

a gente tá caminhando a passos tão, mas tão lentos que às vezes eu tenho a impressão de que a gente sequer saiu do lugar.  

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